Este artigo é parte integrante da série A Visão e a Voz - Liber 418

Liber 418: A Visão e a Voz, é considerado por Aleister Crowley como o segundo livro em importância, perdendo apenas para Liber AL vel Legis Para obtê-lo, Aleister Crowley e seu discípulo, o poeta inglês Victor Benjamin Neuburg, viajaram as terras áridas da Argélia e ali realizaram invocações específicas valendo-se do sistema enoquiano de John Dee e Edward Kelley.


KHR é o 20º Æthyr invocado no Liber 418. Refere-se ao caminho de Kaph (Atu X). O Hiereus prepara o Candidato). A Visão da Roda da Fortuna. As Três Energias do Universo.

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A invocação do 20º Æthyr chamado KHR

O orvalho que estava na rocha se vai e começa a se formar uma poça de água cristalina e dourada. Então a luz entra na Rosa Cruz. Mesmo assim, tudo o que vejo é a noite com suas estrelas, como se fossem avistadas por um telescópio. Surge um pavão na pedra, preenchendo todo o Ar. Aparece a visão chamada de Pavão Universal ou uma representação dela. Surgem incontáveis nuvens de anjos brancos, tomando o Ar à medida que a ave desaparece.


Atrás dos anjos surgem arcanjos com trombetas. É uma confusão visual, todos aparecendo ao mesmo tempo. Então vejo que essas coisas amontoam-se formando uma roda que gira numa velocidade incrível. É multicolorida, reluzentes sob a branca luz, para então tornar-se transparentes e luminosas. Ela é, ao mesmo, tempo quarenta e nove rodas quando vista de diferentes ângulos que, então, juntam-se na forma de uma esfera e cada uma tendo quarenta e nove raios e quarenta e nove pneumáticos eqüidistantes do centro. E onde quer que os raios se cruzem, surgem flashes ofuscantes de glória. Entenda que muitas coisas são vistas, porém a impressão é de uma só.


Parece que a roda está sendo girada por uma mão. Apesar de ela preencher todo o Ar ainda assim a mão é maior do que ela. Mesmo sendo a visão grandiosa e esplendida, não existe severidade nela ou solenidade. Parece que a mão está girando a roda por puro prazer, ou melhor dizendo, diversão.


Uma voz vem: Pois ele é um hilário e corado deus e seu sorriso é a vibração de tudo o que existe e o estremecer d’alma.


Alguém cônscio do som do girar compararia com uma descarga elétrica passando por seu corpo.


Agora vejo as figuras na roda que identifico como a Esfinge armada, Hermanubis e Tifão. E isso está errado. A extremidade da roda é uma cobra esmeralda vívida; no centro um coração escarlate... é impossível explicar como ela é, o escarlate do coração e o verde da cobra são ainda mais brilhantes do que o branco da roda.


As figuras da roda são mais escuras do que ela, de fato são manchas na sua pureza, e por isso e por causa do brilho da roda eu não as enxergo bem. Porém, no topo parece estar o Cordeiro e a Bandeira, tais como vistos em algumas medalhas Cristãs e um dos elementos abaixo é um lobo e o outro um corvo. O símbolo do Cordeiro e a Bandeira é muito mais brilhante do que os outros dois. E continua aumentando de intensidade até tornar-se mais brilhante do que a roda em si e ocupar mais espaço do que ela.


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Ele fala: eu sou o maior dos impostores, pois a minha pureza e inocência corromperá o imaculado e o inocente que, além de mim, deveria dirigir-se ao centro da roda. O lobo trai apenas o ganancioso e o traidor; o corvo trai apenas o melancólico e o desonesto. Porém eu sou aquele de quem está escrito: "enganaria até o escolhido".


Pois no início o Pai de tudo invocou espíritos com os quais poderia ele testar as criaturas da terra de três modos de acordo com as três impurezas d'alma. E escolheu o lobo para a luxúria da carne e o corvo para a luxuria da mente, porém, a mim, escolheu acima de tudo, para simular a real incitação d’alma. Eles que oraram ao lobo e ao corvo eu não feri; mas aqueles que me rejeitaram enviei a ira do corvo e do lobo. E as mandíbulas do primeiro rasgaram-os e o bico do segundo devorou cadáver deles. Então a minha bandeira embranqueceu porque eu não deixei nada vivo sobre a terra. Eu festejei com o sangue dos santos, porém não sou suspeito pelos homens de ser seu inimigo, pois minha lã é branca e quente e meus dentes não são os daquele que rasga carne e meus olhos são meigos e eles não me conhecem como o senhor de espíritos mentirosos que o Pai de tudo trouxe ante sua face no inicio.


(Sua atribuição é sal, o lobo mercúrio e o corvo enxofre.)


Agora o cordeiro encolhe e resta apenas a roda e a mão que a gira.


Então digo: “Pela palavra de poder, dupla na voz do Mestre, pela palavra que é sete, e um e sete; e pela grande e terrível palavra 210, eu suplico a ti, Ó meu Senhor: concedei-me a visão da tua glória”. E todos os raios da roda me atingem e fico cego devido a luz. Sou pego pela roda e torno-me um com ela. Sou maior do que ela. No meio de uma miríade de luzes eu me encontro e contemplo a face dele (sou jogado violentamente de volta a terra a cada segundo, por isso não consigo me concentrar).


Tudo parece uma chama líquida de ouro pálido. Porém, o brilho mantém-me afastado.


E digo:Pela palavra e pela vontade, pela penitência e pela oração, deixai-me contemplar a tua face (não consigo explicar isso, há uma confusão de personalidade). Eu, que me dirijo a ti, veja o que tigo-te, mas eu, que posso vê-lo, não consigo comunicar a mim mesmo o que falo a ti.


A substância dele seria a luz do sol ao meio-dia se pudéssemos contemplá-lo. Porém, a luz não é quente. É a visão de Ut no Upanishads. E dessa visão vieram todas as lendas de Baco e Krishna e Adonis. A impressão é a de um jovem dançando e fazendo música. Mas deve você entender que não está fazendo essas coisas, está parado. Mesmo a mão que gira a roda não é a mão dele, mas apenas uma mão energizada por ele.


Agora começa a dança de Shiva. Eu posto-me ao pés dele, sobre o santo dele, a vítima dele. A minha forma, na minha essência, é a do Deus Phtah, porém a do deus Seb é a minha realmente. E essa é a razão da existência, na qual o deleite nessa dança contém ambos, o deus e o adepto. Também a terra em si é uma santa e o sol e a lua bailam acima dela, torturando-a com gozo.


Essa visão não é perfeita. Encontro-me na sua periferia, pois a obtive a serviço do Santíssimo e devo conservar os sentidos e a palavra. (335) Nenhuma lembrança de visão é perfeita, nem das grandes, pois o vidente deve manter seus órgãos e sua memória em perfeita ordem. Ninguém é capaz de mantê-los. Não existe ponte para isso. A pessoa pode apenas entender uma coisa de cada vez e, como a consciência move-se próxima a visão, pode perder os controles físico e mental. Assim, o corpo e a mente devem estar em perfeito estado antes de qualquer coisa, ou a energia da visão pode ser enviada ao corpo na forma de espasmos e na mente, na de insanidade. É por isso que as primeiras visões geram Ananda, que é um choque. Quando o adepto alcança o Samadhi, surgem nuvens de paz.


Essa visão é particularmente difícil de adentrar, pois ela é eu mesmo. E, dessa forma, o ego humano é constantemente excitado, para que retorne. Uma prática excêntrica de meditação, como mahasatipatthana, deveria ser executada antes das invocações do Sagrado Anjo Guardião, para que o ego esteja realmente pronto para se render ao Mui Adorado.


Agora uma a brisa está soprando sobre nós, como os suspiros de amor insatisfeito--- ou satisfeito. Os lábios dele movem-se. Eu não posso dizer as palavras no início.


As seguintes são: "Tu não trarás as crianças dos homens à visão da minha glória? ‘ Apenas teu silêncio e tua palavra adoram-me sem proveito’.´Pois assim como sou o último, sou o próximo e como o próximo tu me mostrarás ás multidões’.’ Nada tema, cousa alguma nem te desvies por nada, eremita de Nuit, apóstolo de Hadit, guerreiro de Ra-Hoor-Khu! Com o levedo colhido o pão será doce; com o fermento produzido o vinho também será doce. Meus sacramentos são comida vigorosa e loucura divina. Venham a mim, Ó crianças dos homens, venham à mim, naquilo que sou, naquilo que vós sois, onde vós vivestes apenas com a vida que na Luz existe."


Durante todo esse tempo eu fui diminuindo. Eu afundo. O véu de noite desce num sombrio azul cinzento com um pentagrama no meio, aguado e sombrio. E resisto por pouco tempo antes de voltar a terra (Feche a janela, oculta-me do sol. Ó, feche a janela!)


Então o pentagrama se dissolve; cruzes negras preenchem o Æthyr, crescendo e ligando-se até formarem uma rede.


Tudo escurece. Estou exausto, sentindo a extremidade afiada da pedra de visão na minha testa.



Bou-Sada.
30 de Novembro de 1909, 9:15- 10:50.

Referências